Terça-feira, 18 de Março de 2008
Tive que parar um pouco pois as memórias afloraram tão intensamente na minha mente que pareciam um oceano e então tive que as ordenar...
Falar de frustação, falar de como tudo começou, falar do durante, falar das dores, das mutilações, de como tudo acabou, de como tudo ainda está presente e que volta a qq momento ainda que a cura seja assumida.
Tudo começou numa criança de 10 anos, com obesidade infantil...Uma criança infeliz por não ser aceite no seu meio, por ser constantemente lembrada que era inferior aos outros, no aspecto, na aparencia e em muito mais que agora não vale a pena falar.
Criança que foi quase forçada a iniciar um processo de dieta, embora ainda não conseguisse perceber ao certo naquela altura o que esperavam dela...
Falar na terceira pessoa não me faz digna do que aconteceu...
Lembro-me de estar no Centro de Saúde com a minha Mãe e o médico e família dizer que tinha de ir a uma consulta ao Hospital no Porto...Nesta altura não fazia a menor ideia que era o Hospital de S.João, nem sonhava o quanto a minha vida ficaria ligada a este Hospital.
Era só...Não tinha irmãos...amigos os da escolinha...e brincava com os biblôs que podiam partir a qualquer momento...Hoje consigo entender o porque dos biblôs...como não os partia com medo de represálias e como me pareciam frageis...Traduziam o que era eu naquela altura...fragil e com medo de tudo.
Fui sempre pressionada a ser a menina com melhores notas da escolinha...em tudo me diziam que tinha a obrigação de ser a melhor...Pressão e mais pressão...e noção que por muito que conseguisse alcançar nunca seria igual a eles...O eles só eu sei quem são...
Então lá fomos à consulta, recordo-me de uma sala forrada a madeira com umas cadeiras antigas e com meninos sentados nas mesmas cadeiras com os pais por perto.
Achei tudo estranho pelo menos confesso, mas acho que o estranho era por não entender nada.
Tenho a sensação de ser bem tratadas pelos médicos e enfermeiros que faziam uma serie de rituais estranhos mas que eles lá sabiam porquê.
Então como lavagem cerebral, e agradeço aos médicos que o fizeram, introduziram na minha pequena cabeça de 10 anos como se tratasse de um computador, de que tinha que emagrecer.As razões que alegaram não me recordo, só sabia que tinha que emagrecer...era mais uma meta comparada com ser a melhor aluna da turma.Então daí em diante a minha vida passou a ser dietas dietas, consultas, pesar,medir, ajustar dieta...ufa...e eu só entendia que tinha de o fazer porque queriam que o fizesse...Acho que ninguém me perguntou realmente se o queria, mas o certo é que o tinha de conseguir...
Recordo-me que ficava contente sempre que ia a uma consulta pois ia andar de autocarro...isso é que era fixe o resto não percebia só o tinha de fazer...
E esta rotina durou anos e anos...
Porque não desisti???Porque mal ou bem me diziam que estava a atingir o propósito e então eu esforçava-me mais e mais, pois gostava dos elogios quando diziam que estava mais magra e era a menina que fazia tudo o que os médicos diziam para fazer.
A sensação de que ficavam contentes com o meu desempenho era agradável para mim, era como sentisse que gostavam de mim e acima de tudo não podia desiludir ninguém...nem a minha mãe que ficava tão contente.
Neste processo foi sempre o querer mostrar que era a melhor e que tudo o que me era proposto fazer eu conseguia, ainda que fosse complicado
O reforço positivo dado peas pessoas era aquilo que eu sempre desejara...afecto...Agora percebo que aquilo não era afecto, mas para mim na altura era o conseguir ser aceite e amada.